Produção vegetal melhora a sustentabilidade de fazendas leiteiras

Produção vegetal melhora a sustentabilidade de fazendas leiteiras

Milk Point – 08/07/2022

Por Vitória Toffolo Luiz e Augusto Hauber Gameiro

A produção vegetal dentro da propriedade destinada à alimentação dos animais depende de diversos fatores disponíveis como espaço de terra agricultável, preços dos insumos, apoio financeiro, poder aquisitivo, conhecimento técnico e disponibilidade de mão de obra. Contudo, essas atividades acontecendo de forma concomitante dentro de uma propriedade é importante para a sustentabilidade do sistema, além de que cada vez mais os consumidores de produtos de origem animal exigem alimentos que respeitem o meio ambiente.

Há poucos trabalhos na literatura científica que comprovam que a produção vegetal melhora a sustentabilidade em fazendas leiteiras. Porém, de forma empírica já é historicamente conhecido como essa produção favorece os ciclos naturais que ocorrem no processo produtivo de uma fazenda.

Os vegetais são alimentos para os animais e estes geram resíduos que nutrem os vegetais, ou seja, propicia circularidade dos nutrientes (figura 1).

Figura 1 – Fluxograma da circularidade dos nutrientes dentro de uma fazenda que inclui criação animal e produção vegetal.

Dentre as análises de sustentabilidade, indicadores obtidos a partir da chamada “Síntese em Emergia”, proposta pelo cientista e ecólogo Howard Thomas Odum, demonstram a eficiência energética do sistema por meio da “memória” (eMergia) dos fluxos energéticos que estão presentes na produção.

Esses fluxos se baseiam na contribuição da natureza (recursos renováveis e não renováveis) e da economia (insumos comprados) no processo de produção. Todos esses fluxos são transformados em emJoule (medida expressa em energia solar), permitindo assim, a comparação de diferentes recursos.

A Síntese em eMergia é uma ferramenta que vem ganhando influência positiva na comunidade científica para análises de produções agropecuárias em relação à sustentabilidade. A metodologia possui parte teórica densa e é aplicada a partir dos dados de inventário da fazenda, documento que abrange todos recursos e insumos e como o processo ocorre. A partir disso, são gerados índices que servem para análise do sistema.

Dentre os índices gerados pela metodologia, o Índice de Sustentabilidade em Emergia (ESI) avalia a maximização da contribuição do produto para a sociedade com o menor impacto ambiental (ELR). Ou seja, o ESI contabiliza o retorno em eMergia para a sociedade, o que inclui calorias desse alimento, quantidade de luz solar utilizada na produção, entre outros, e o ELR é a relação entre os recursos da natureza, renováveis ou não, e os insumos externos (equipamentos e construções/ benfeitorias), sendo um indicador do impacto causado pela produção no ambiente.

Outro resultado importante, é a Renovabilidade (R) que demonstra a relação de recursos renováveis (parte da natureza – exemplo: sol, chuva, evapotranspiração, vento, etc) entre a utilização de recursos totais (recursos renováveis, não renováveis e insumos externos).

Um estudo realizado pelo Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (LAE/FMVZ/USP), foi conduzido na mesorregião de Campinas, São Paulo, para avaliar se a produção da alimentação do rebanho leiteiro na própria propriedade seria um caminho para a sustentabilidade na produção.

A propriedade apresentava um rebanho com 34 vacas em lactação, com produção diária de 510 kg, em sistema semi-intensivo, com fornecimento de silagem de cana-de-açúcar, milho e rama de mandioca na época seca do ano (abril a outubro), além do fornecimento de ração todos os dias. Para analisar a sustentabilidade da produção, o (ESI) foi considerado.

Observou-se que as produções forrageiras (agrícola e pastagem) da propriedade dependeram mais de recursos renováveis locais do que recursos que vieram de fora da propriedade (exemplo: fertilizantes e pesticidas; Tabela 1).

A pastagem e a silagem de rama de mandioca apresentaram alta renovabilidade (utilização de recursos renováveis) justamente por dependerem menos de insumos externos (provindos da economia).

Outra observação foi a existência da chamada ‘economia circular’ na propriedade, uma vez que a rama da mandioca é utilizada como coproduto. Com isso, o uso da estratégia na alimentação do rebanho auxiliou na sustentabilidade tanto por beneficiar aspectos ambientais quanto econômicos, uma vez que a raiz pode ser vendida para a agroindústria (farinha ou in natura) gerando receita extra ao produtor.

Tabela 1. Renovabilidade das produções de forragem utilizadas na propriedade estudada

Como resultado da estratégia adotada, a propriedade estudada apresentou ESI próximo a 7, valor acima daqueles encontrados na literatura para fazendas leiteiras. ESI menor que 1 indica que a produção não tem sustentabilidade a longo prazo; valores entre 1 a 5 indica sustentabilidade a médio prazo e valores acima de 5 indica alta sustentabilidade a longo prazo.

No entanto, além de analisar o impacto ao meio ambiente, o produtor deve se atentar ao balanceamento da dieta em volumoso e concentrado para atender as exigências nutricionais dos animais em cada fase de produção. Para isso, o estudo comparou os planos nutricionais utilizados na propriedade a diferentes cenários (intensivo, semi-intensivo e extensivo) em que foram utilizadas pastagem, silagem de milho e rações.

Como resultado, observou-se que a propriedade estudada apresentou vantagem a partir do indicador de sustentabilidade estudado em comparação com os demais cenários (Figura 2).

Figura 2 – Comparação dos valores do ESI para os diferentes cenários. Considerações: PROP (propriedade estudada), SIS (sistema semi-intensivo, acesso a pastagem e ração o ano inteiro, mais oferta de silagem de milho na época de seca), EXT (sistema extensivo, acesso a pastagem e ração o ano inteiro) e INT (sistema intensivo, oferta de silagem de milho e ração o ano inteiro).

Fonte: Diagrama Ternário.

A explicação para o melhor desempenho do ESI entre a propriedade estudada e os demais cenários podem ser dada da seguinte forma: a diversidade de forragem propicia a maior participação de recursos renováveis nos insumos alimentares, o que diminui a carga ambiental que o sistema exerce sobre o ecossistema no qual se localiza que, por sua vez, aumenta o ESI do leite produzido.

No sistema intensivo, ao utilizar silagem de milho e ração o ano inteiro, e muitas vezes produzidos fora da propriedade, o índice de sustentabilidade tende a ser menor que 1, o que indica que este sistema consome mais recursos ambientais para produzir um litro de leite.

Nesse sentido, a alteração da composição das dietas e a busca por ingredientes com maior renovabilidade, pode ser a melhor opção para reduzir a carga ambiental e aumentar o índice de sustentabilidade das fazendas.

De acordo com os resultados, podemos concluir que a diversificação de alimentos volumosos pode ser um caminho para aumentar a sustentabilidade das fazendas, através da redução da compra de insumos e custo de produção, e possibilidade de utilização dos recursos naturais de forma mais racional pelo produtor.

Outra observação diz respeito ao uso da Síntese em eMergia como uma ferramenta que pode auxiliar o produtor a tomar decisões em prol de produções agropecuárias mais sustentáveis.

É desejável combinar outras análises para identificar a sustentabilidade, a fim de ter uma visão sistêmica da produção no âmbito ambiental, econômico e social. Com isso, produtores juntamente com profissionais em eMergia podem estabelecer contatos para tomadas de decisões pensando na preservação dos recursos renováveis da fazenda e na busca por fornecer um produto mais sustentável ao consumidor.

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